Testemunho de pessoa com TCE há dez anos
Antes de mais, o meu nome é Carolina Neto Matias, tenho 29 anos, sou natural de Leiria e é com o maior dos orgulhos que digo que sou associada da Associação Novamente. Quando tinha 19 anos, estava a frequentar o 2º ano do Mestrado Integrado em Medicina, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, estava tudo a correr muito bem até ao dia 28 de Maio de 2014 quando, no regresso a casa depois de mais um longo dia de aulas, vinha à boleia de uma amiga minha e fui atropelada após ter saído do carro dela, atropelamento esse que me causou um traumatismo crânio-encefálico (TCE) muito grave. Estive em coma durante 3 meses, perdi todas as minhas faculdades, mas, desde então, tenho vindo a recuperar contra todas as expectativas médicas. Estive durante 15 meses internada, período em que fiz essencialmente muita fisioterapia. Posso dizer que a minha vida desde Maio de 2014 tem vindo a ser uma montanha russa de emoções.
Quando estava em fase aguda no coma, a grande preocupação dos médicos era, obviamente, assegurar a estabilidade dos meus sinais vitais e garantir a minha sobrevivência. Quando fui transferida dos cuidados intensivos para os cuidados intermédios, já estava num quarto e podia ter a minha mãe comigo, lembro-me de pensar muito se alguma vez voltaria a casa, tocava na rádio “let her go” dos The Passenger e eu traduzia aquela parte em que cantam “only hate the road when you’re missing home…” E eu lembro-me de pensar: “eu não estou na estrada e tenho saudades de casa” e também tocava aquela do Pedro Abrunhosa “eu quero voltar para os braços da minha mãe” e eu lembro-me de pensar que a queria voltar a abraçar, apesar de saber que ela estava ali sempre comigo, queria voltar a ter a sensação de poder abrir os braços e a abraçar. Quando estava menos depende do suporte básico de vida fui para o centro de reabilitação Rovisco Pais, na Tocha, onde, apesar de já não estar no hospital continuava a ter profissionais de saúde a ajudar-me nas minhas AVDs e só sonhava com o dia em que sairia dali e voltaria ao meu quarto, às minhas coisas. Havia sempre aquela esperança e motivação para cada dia fazer mais e melhor, para ter a tão ansiada liberdade o mais rapidamente possível; até falava com os meus colegas do internamento que quando saíssemos dali iríamos fazer uma festa chamada “O êxito dos ex internados no Rovisco Pais”.
Tive a tão esperada alta dia 8 de Agosto de 2015 e quando cheguei a casa não vinha boa, nem sequer conseguia caminhar nem manter-me de pé sem auxílio e foi aí que tive uma “chapada” da realidade (às vezes acontece) e comecei a chorar. Mas o meu namorado da altura (que Deus o acompanhe) falou comigo e disse que eu não podia desistir. Isso de certa forma deu-me forças para me empenhar cada vez mais e mais na fisioterapia e em 2017 larguei a cadeira de rodas e comecei a fazer pequenas caminhadas sozinha. Isso deu-me confiança e como o meu sonho major sempre foi voltar para medicina, após ter concluído todos os níveis do Wall Street English com sucesso e ainda ter feito 4 cadeiras do curso de dietética e nutrição aqui na minha cidade, decidi aventurar-me em Coimbra, de volta ao curso de Medicina e não posso inferir que tenha sido um erro, foi superpositivo: consegui fazer 7 cadeiras, consegui tirar um 16 e até um 19. Mas desfiz aquela perspetiva idílica e muito de contos de fadas que eu tinha acerca da minha recuperação. Agora sei que, muito provavelmente, irei ficar assim para sempre (ainda dependente de terceiros pois tenho um elevado risco de queda, embora possa dizer que já estou independente em casa), mas tenho de arranjar pequenas realizações a cada dia, que me permitam ser feliz da mesma maneira, de espalhar felicidade (que é aquilo que mais gosto de fazer) e que cada um tem o seu caminho. Este era o meu destino, aceito-o e foi a cadeira com mais créditos da minha vida. Ficam as memórias e a esperança de tempos melhores. E termino parafraseando os D.A.M.A (e quem me conhece sabe que se eu estivesse aí presencialmente cantaria): “O que lá vai lá vai e se só vai e não volta mais diz-me o que é que tem?”.
Obrigada por me terem ouvido e se quiserem saber mais pormenores da minha quase uma década de luta, está tudo descrito e contado ao pormenor (por vezes até com demasiado pormenor) no livro que publiquei nessa referida fase “idílica” da minha vida quando regressei à faculdade em 2020.