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27 de Setembro, 2016
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“Como vai ser o meu dia?” – Público

O que é que fazemos no nosso dia? Corremos. Deixamos o tempo passar. Damos por garantida a vida que temos.

Assistimos a tragédias, ou a algum acontecimento inesperado a alguém que nos é próximo. Mas não nos toca. A vida é de facto como é, sabemos que amanhã poderá ser diferente, mas hoje não.

Nos últimos 20 anos mais de 200 mil portugueses foram surpreendidos no seu dia-a-dia. No seu hoje em que tudo estava previsto, bem encaixado e encadeado, surge um inesperado acidente. Atropelamento, acidente rodoviário, um objecto de obras que nos cai na cabeça, uma queda – algo que nos faz um traumatismo craniano grave.

E é assim, de repente estamos inconscientes no hospital e nossos pais, irmãos, esposa largaram tudo o que estava previsto para esse dia e foram ter connosco ao hospital.

Este é o início da história das muitas pessoas que a Novamente acompanha.

Pensamos que esta é a fase pior e no entanto… há um grande percurso pela frente.

Ao fim de 3 a 5 anos, que pesam como 30, perdemos os amigos que nos primeiros dias prometeram nunca nos deixar. A família só sabe de nós em momentos chave. No hospital experimentamos vitórias, retrocessos, alegrias, frustrações incríveis. Profissionais que nos tiraram a esperança, ou que repudiaram o mais possível a nossa presença no internamento e profissionais cujas palavras humanas não esquecemos.

O traumatismo afecta o cérebro de forma diferente em cada caso, deixando sequelas que nos modificam. São pouco cobertos por apoios estatais e só 30% chegam ao centro de reabilitação. A vida, depois de ter sido doente hospitalar, passa a ser vida de quem quer reabilitar-se.

Além de ter criado o serviço de apoio contínuo, entrega diferente fase a fase do caminho e do caso de apoio de informação, apoio emocional, encaminhamento para soluções, etc., a Novamente também criou formação de cuidadores para que se capacitem dum papel que nunca imaginaram vir a desempenhar, muito menos na idade madura, com filhos de 30 anos, que inesperadamente deixaram de ser independentes e passaram a deficientes, sem emprego, divorciados, com comportamentos inter-relacionais difíceis, etc.. Aqueles que estavam casados há 5 anos ou menos não aguentam o casamento.

Agora nasce um programa de inserção profissional com o IEFP, que tenciona aumentar a taxa de 30% destes adultos voltarem a trabalhar.

Em vários pontos do país a Novamente criou o o grupo de pares com o objectivo de proporcionar a pessoas que sofreram traumatismo crânio encefálico o desenvolvimento das suas autonomias pessoais através de actividades ocupacionais, terapêuticas e socioculturais de modo a melhorar a sua integração na comunidade e no seio familiar.

Aqui, acima de tudo reaprendem a amar-se, conhecer-se, aceitar-se e a usar técnicas de melhor relacionamento com o mundo. Estamos, juntos, pessoas sem comunicação oral, sem marcha e desorientação neurológica, como pessoas que estão sem nenhuma sequela visível, empregadas, casadas e que aparentemente não saíram do mundo anterior ao seu traumatismo crânio encefálico.

Este é o mundo onde o amor dos pais prova ser incondicional, seja em que circunstancias e idade. Mundo onde quem ultrapassou barreiras impensáveis aprende a valorizar o ser humano por algo que nunca é comunicado ou valorizado nos media ou filmes. É um mundo ou nem interessa se somos diferentes – só interessa se nos amamos e respeitamos, se temos em quem nos apoiar para avançar pela vida com coragem.

Voltamos a pensar que o dia está previsto, mas nunca mais esqueceremos que há coisas que não acontecem só aos outros.

Autor: Vera Bonvalot – Diretora Executiva da NOVAMENTE

Fonte: Jornal Público

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